Diário que
relata e registrar o que acontece atualmente no Brasil – uma visão despretensiosa,
sem a intenção de definir verdades ou repetir clichês
Parte 3 – As bombas
vêm de todas as partes
Quinta-feira, 20
de junho – Peguei o ônibus em direção ao Centro. Paguei R$ 2,75. Eu estava
deslumbrada. Vivi para ver o povo se mobilizar. Vivi para ver uma reivindicação
do povo atendida. Parecia mágico.
No caminho, muitas
pessoas com cartazes e aquela camisa do Brasil que não era usada há quatro
anos, mas estava novamente tomando a forma do corpo devido às manifestações e à
Copa das Confederações. Dava para ver que as pessoas não tinham desanimado com
aquela primeira conquista, continuaram indo para a rua manifestar suas outras
insatisfações.
Chegando lá, foi
uma decepção atrás da outra. Muita gente bebendo, fumando maconha, feliz.
Muitos queriam comemorar a conquista da redução no valor da passagem, que
representava a descoberta do poder que a população tem. Mas, celebrar enquanto
ainda existem tantos problemas, parecia incoerente. Celebrar porque o prefeito
e o governador não fizeram mais que sua obrigação – atender ao povo – é uma
inversão de valores. Assim como premiar honestidade só porque é rara.
As decepções
continuaram com as reivindicações generalizadas com as quais eu não consigo me
conformar. Na verdade, a maioria parecia estar numa grande night, não pareciam
acreditar em mudanças efetivas, mas queriam fazer parte de um momento histórico
para dizer “eu fui” e mostrar as fotos aos seus filhos daqui a alguns anos.
Depois não gostam quando dizem que a gente só se une na rua para fazer festa.
O destino final
da passeata era a prefeitura do Rio de Janeiro. Quando eu estava quase lá, resolvi dar uma olhada na situação do protesto pelo celular. Na
segunda-feira que eu não pude ir à manifestação, percebi que quem ficava em
casa tinha uma visão distante, porém mais geral, do que acontecia na rua. Não
deu outra. Uma amiga havia mandado uma mensagem avisando que estava tendo
confusão em frente à prefeitura, aconselhando que eu não fosse até lá. Acatei.
Andei em direção
à estação de metrô da Central. Estava tomada de gente. Não consegui entender
exatamente o que acontecia, mas tinha muita gente gritando e achei prudente não
entrar no meio da multidão. Segui para a estação da Uruguaiana, que estava
cheia, mas sem problemas. Cheguei em casa sã, salva e cansada. Tudo bem.
A surpresa foi
quando comecei a ler comentários no Facebook e no Twitter sobre pessoas trancadas
em faculdades federais, sem luz, cercadas pela polícia; denúncias e vídeos do
Bope atirando aleatoriamente em pessoas que passavam na rua; policiais jogando
spray de pimenta dentro de bares na Lapa.
Além das
faculdades, ainda havia relatos de confusão em Laranjeiras e na Tijuca, bairros
relativamente distantes do Centro, se considerarmos que os manifestantes
estavam a pé. Enfim, não fazia sentido nenhuma confusão se estender até tais
pontos. Enquanto eu lia tudo atentamente online, a Globo continuava
transmitindo a confusão na Prefeitura, aquela que me fez voltar para casa e que
agora parecia tão pequena perto de relatos tão chocantes e cheios de lacunas.
Um pouco mais
tarde, começaram a surgir hipóteses sobre um possível golpe como aconteceu em
1964, que traumatizou o povo brasileiro e que ainda assombra muita gente até
hoje, jornalistas e sua liberdade de imprensa, especialmente. As pessoas
publicavam na internet as semelhanças entre os movimentos.
No golpe militar
de 60 anos atrás, partidos políticos foram extintos em Ato Institucional. Hoje,
grande parte dos participantes repudia a presença de bandeiras partidárias nas
passeatas, defendendo um possível oportunismo para fazer propaganda de partido.
Durante a
ditadura militar, a imprensa era censurada. Atualmente, a grande imprensa tem
recebido fortes críticas, acusada de distorcer os reais acontecimentos
relacionados às manifestações. As críticas são principalmente à Globo, que já
mudou consideravelmente sua posição ao longo dos últimos dias, demonstrando até
certo apoio ao movimento, antes ilustrado pela emissora apenas como
“baderneiro”. Essa mudança preocupa ainda mais, afinal, a Globo apoiou o regime
militar que o Brasil viveu.
Não me sinto
apta para dizer se essas semelhanças realmente vão nos levar a um novo golpe,
mas são suficientes para me deixar assustada e temerária, principalmente quando
são descritas por gente que viveu o golpe militar, que estudou seu processo a
fundo e que tenta nos alertar.
Que dia longo! E
eu achei que hoje seria apenas mais uma manifestação pós-conquista para mostrar
que não estávamos satisfeitos com apenas a redução da passagem.
Sexta-feira, 21
de junho – Começam a surgir posts de quem até ontem era a favor dos protestos
sugerindo que paremos de nos manifestar para evitarmos um golpe. Pelo visto,
não fui só eu que fiquei assustada. O que me conforta é que recebi, no
Facebook, convite para duas plenárias na próxima semana. O pessoal percebeu que
é preciso conversar e definir as próximas reivindicações. Provavelmente, não
conseguirei ir às duas, mas pretendo ir a pelo menos uma delas.
Nossa, muita
informação, muitas possibilidades, estou confusa e cansada mentalmente, vou
evitar as redes sociais durante o fim de semana.
Chegou até mim o
editorial do jornal O Globo no dia seguinte ao Golpe de 1964 e é realmente
preocupante a semelhança de expressões e conceitos com muito do que está sendo
dito hoje.
Segunda-feira,
24 de junho – Hoje, a presidenta Dilma se reuniu com todos os governadores e
prefeitos do país para uma reunião com propostas para atender às solicitações
da população. Seu pronunciamento de abertura atraiu os olhares de todo o povo,
que escutou atento aos cinco pactos propostos para serem colocados em prática
junto com governadores e prefeitos. Nesses 5 itens, a presidenta conseguiu
incluir saúde, educação, transporte público, reforma política e inflação. Ou
seja, em linhas gerais todas as reivindicações dos movimentos populares. Ela
pontuou o que deve ser melhorado de maneira mais imediata em cada setor e, em
geral, agradou. Deparei-me com comentários positivos e neutros, nenhum
negativo.
A polêmica se
deu em torno da proposta de plebiscito para a reforma política. Advogados e
estudiosos políticos sugeriram que a questão não poderia ser decidida por um
plebiscito, mas ele poderia acontecer com o objetivo de mostrar ao Congresso a
opinião popular sobre o assunto.
No quesito
transporte, que tem tido destaque nas pautas dos protestos, chamou minha
atenção ela mencionar que "no passado, houve a incorreta opção por não
investir em metrô". Esse é um ponto muito importante, sobretudo para o Rio
de Janeiro, onde a linha de metrô é ínfima perto do tamanho da cidade. Também
me pareceu relevante a presidenta mencionar a criação de um Conselho Nacional
de Transporte Público. Ela só esqueceu de mencionar a falta de interesse, no
presente, de se construir metrô nas cidades.
Ninguém pode
garantir que os pactos serão cumpridos, mas não vejo quem seja contra as
propostas. Não haveria motivo, já que são de interesse direto da população.
Agora, cabe a nós continuarmos cobrando a prática.
Depois desse fôlego
de esperança, algumas atitudes negativas foram noticiadas. A que me deixou mais
surpresa foi sobre uma manifestação que aconteceu no Centro da cidade cujos líderes incitaram os participantes a fazer saudações nazifascistas. Segundo a
matéria, poucos aderiram e alguns alegaram não estarem na manifestação que
esperavam. Ainda de acordo com a reportagem, os organizadores não souberam
definir suas reivindicações e mudaram de assunto quando questionados sobre a
acusação de serem neonazistas.
Outra notícia
muito triste foi sobre o conflito na Favela da Maré. Tive poucas informações
sobre o assunto, só consegui entender que o Bope estava o local atirando e
soltou bombas de gás inclusive na porta do Observatório de Favelas, onde
pessoas ficaram “presas”, com medo de sair.
No fim desta
noite, estreou o remake da novela Saramandaia, na Globo. No primeiro capítulo:
um movimento popular mencionado como “primavera”; um ex-prefeito com medo de
perder sua influência na cidade. Tudo se encaixa tão bem, isso é assustador.
Parte 2 - Rebeldes com causas
Domingo, 16 de
junho – As discussões estão afloradas. Manifestantes defendem que os protestos
não são por simples vinte centavos, são por tudo o que o brasileiro paga e que
custa caro, e por todos os serviços que recebemos em péssimo estado. Pronto,
agora não entendia nem um lado nem outro. Assim, iam tirar o foco do aumento da
passagem, ele seria apenas mais uma reivindicação em meio ao fim da corrupção e
a melhorias na educação e na saúde. E, se esses eram os reais motivos, por que
protestar justo quando aumentaram as tarifas de ônibus?
O que me
incomodava na expressão “apenas vinte centavos” não era o valor, era a palavra
“apenas”. Não só pela porcentagem que R$ 0,20 representam no reajuste da tarifa
ou no salário mínimo do brasileiro, mas sim pelo o que é pago com essas duas
dezenas de centavos. Se olharmos as condições do transporte público – e só do
transporte público – no Rio de Janeiro, esses vinte centavos não pareciam estar
em lugar nenhum.
A sensação que
dava era que os R$ 2,75 cobrados anteriormente iam para o lixo, também
conhecido como
bolsos-do-prefeito-e-do-governador-e-dos-donos-das-empresas-de-ônibus. Agora,
esse seria o destino de mais R$ 0,20 por passageiro por trajeto. Parece
“apenas”?
Precisávamos
incluir corrupção, PEC 37, saúde e educação para sustentar nossa revolta? Não
que essas não sejam causas justas e revoltantes, mas são outras causas. Me
angustiava a sensação de vislumbrar 100 anos de manifestações até resolvermos
todos esses problemas. Passaríamos as passeatas de geração em geração?
Confesso que era
tranquilizante escutar a Mayara Vivian, uma das organizadoras do Movimento
Passe Livre, de São Paulo, declarando que “sairiam das ruas quando reduzissem
os preços da passagem”. Ufa, o foco estava mantido para ser resolvido.
Segunda-feira,
17 de junho – Hoje, teve mais uma manifestação contra o aumento da passagem de
ônibus, no Centro do Rio. Agora, eu já estava bem mais engajada com a causa. Não
só o preço da passagem me revoltava, mas também quem era contra os protestos.
Fui convidada
para participar do ato de hoje por um evento no Facebook intitulado
“Segunda-feira branca”, propondo que todos vestissem branco para destacar o
caráter pacífico do movimento, desmentindo sua caracterização violenta, formada
pelo destaque que atitudes agressivas tiveram na mídia durante todo o fim de
semana.
Eu faltei, mas,
dessa vez, com peso na consciência, realmente queria ter manifestado. “Pelo
menos, vou vestir branco hoje”, pensei. Abri o armário no ímpeto da minha
indignação e percebi que não tinha roupa branca. Vesti outra cor e saí. Então,
notei que não faria a menor diferença porque, como não havia ninguém de branco
pela Freguesia, não notariam que eu vestia a cor da paz para fazer coro com o protesto.
Voltei para casa
e acompanhei atenta cada post sobre a manifestação, cada mensagem que chegava
de amigos que estavam lá, cada entrada ao vivo de um repórter na televisão.
Queria estar lá também!
Enquanto a manifestação acontecia, publiquei um post no Facebook, lembrando aquele de 20 dias atrás. De madrugada, já
deitada, dei uma última olhada nas minhas notificações e uma delas me convidava
para o próximo protesto, na quinta-feira seguinte. Pensei “não tenho nada nesse
dia, vou me esforçar para comparecer”. Fechei os olhos e fui dormir mais tranquila
sabendo que teria uma nova chance.
Quarta-feira, 19
de junho – O prefeito Eduardo Paes (ainda não tinha visto ele falando sobre o
assunto) revogou o aumento da passagem de ônibus. Que bom! O valor das tarifas
do trem e do metrô foi reduzido também. Mas, e agora, será que estava mantida
minha nova chance de participar das manifestações? Nas redes sociais, as
pessoas diziam que a passeata seria ainda maior, e que não haveria dúvidas de
que aconteceria, já que “não era apenas por R$ 0,20”. Gente, vão mesmo
protestar até melhorarem a educação do país?! “Bem, eu já tinha pensado em ir,
vou manter minha posição e ver com meus próprios olhos como é que funciona esse
negócio”, decidi.
Nesse dia,
também fiquei sabendo que foi proposta uma CPI dos ônibus. Isso seria realmente
interessante! Todo mundo sabe que há corrupção nas licitações para as empresas
responsáveis pelos ônibus no Rio de Janeiro e elas servem à população da pior
maneira possível. Seria uma ótima próxima-bandeira para as passeatas, como uma
continuidade da primeira.
Aliás, com tanta
desconexão entre os relatos nas redes sociais e as matérias televisivas, não
seria nada mau uma CPI da concessão das emissoras de TV também. A essa altura,
alvo de tantas críticas e com jornalistas feridos nas coberturas das
manifestações, a grande imprensa já mudava seu discurso. As expressões “minoria”
e “pequena parcela” eram sublinhadas a cada menção aos vândalos que causavam
confusão durante as passeatas.
Nas redes
sociais, há quem suspeite de que essas pessoas são infiltradas do governo e/ou
da polícia para desmoralizar o movimento, vinculando ele a depredação. Não
duvido.
Parte 1 - Apenas vinte centavos
Quarta-feira, 29
de maio – Logo pela manhã, a caminho do meu penúltimo dia de trabalho na Barra
da Tijuca, li a notícia de que o preço da passagem de ônibus seria unificada no
Rio de Janeiro a partir do próximo sábado. Eu já estava atrasada para chegar à
redação, havia esperado o ônibus por mais de 30 minutos. Nenhuma surpresa, pelo
contrário. A única linha que faz o trajeto da minha casa ao meu então bairro de
destino costuma deixar pessoas esperando por tempo suficiente para surgirem
grandes amizades-de-ponto-de-ônibus. Caso tenham ficado curiosos, moro na
Freguesia, bairro vizinho à Barra. Se é que podem ser considerados vizinhos
bairros entre os quais não é possível transitar a pé.
Na mesma semana,
tinha entrado em vigor a proibição da circulação de vans no Centro da cidade.
Aquilo já tinha me indignado. Eu sabia que elas eram importantes meios de
transporte, sobretudo para moradores da Zona Oeste que trabalhavam no Centro.
Eu mesma já tinha sido passageira de vans por alguns anos, enquanto estudava na
Zona Sul. Não, não existem linhas regulares de ônibus que liguem a Zona Sul à
Freguesia.
Bem, voltando à
notícia do preço unificado dos ônibus, fiquei sabendo que todas as linhas
passariam a custar R$ 2,95. Até então, a grande maioria custava R$ 2,75.
Alguns, com ar condicionado, cobravam tarifas como R$ 3,10 ou, como mencionava
a reportagem, até R$ 5,40.
Eu tinha certeza
de que o fato de os ônibus com ar condicionado serem barateados não compensava
em nada o encarecimento das linhas regulares – sempre em péssimas condições de
manutenção, limpeza, equipe de trabalho e quantidade de veículos.
Como uma boa
revoltada, postei no Facebook o link da matéria que eu tinha acabado de ler,com um comentário que resumia o que eu queria dizer e uma hashtag no final. (Era
assim que eu sabia manifestar minhas insatisfações ao final de maio de 2013.)
Segunda-feira,
10 de junho – Fiquei sabendo pelo rádio, a caminho de um show, que houve uma
manifestação contra o aumento da passagem de ônibus. Em meio a uma conversa
amena, escutei o repórter mencionar que havia ocorrido algum tipo de depredação
ao patrimônio público durante o protesto. Um amigo que também estava no carro
disse que se não quebrassem nada, não adiantava. Concordei imediatamente: “Se
forem lá e levantarem meia dúzia de cartazes, ninguém dá atenção. Ainda riem da
cara de quem perdeu tempo indo lá à toa”. (Eu não acreditava em passeatas no
início de junho de 2013.)
Quinta-feira, 13
de junho – Hoje, aconteceu um ato contra o aumento das passagens de ônibus em
várias cidades do Brasil. Alguém me convidou pelo Facebook para participar, mas
eu nem cogitei ir, nunca tinha participado “dessas coisas”, e tinha outras tantas para resolver. Acompanhei como foi a manifestação pela internet e pela
TV. Dava a impressão de que tudo o que era mostrado nas emissoras de televisão
era imediatamente desmentido nas redes sociais. Quem tinha participado do
protesto fazia questão de destacar que atitudes violentas e quebra-quebra
tinham sido uma parcela pequena do evento.
Sábado, 15 de
junho - As manifestações têm gerado repercussão na mídia e todo mundo começa a
expor sua opinião sobre o assunto. A essa altura, estou começando a acreditar
que aquele primeiro ato não foi apenas mais uma passeata, daquelas em que eu
não acreditava.
A maior polêmica
em torno do tema tem sido o motivo que causou uma mobilização tão grande em diferentes partes do país – o aumento da passagem. Alguns não entendem como milhares
de pessoas podem estar tão revoltadas por causa de R$ 0,20. E eu não entendo
como elas não conseguem entender. Fiz um post no Facebook sobre isso.
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